Quase quatro meses após a declaração de emergência de saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 30 de janeiro, o número de casos de coronavírus no mundo continua a aumentar. Ainda que países onde houve declínio na taxa de transmissão do vírus estejam reabrindo negócios e voltando à normalidade, os impactos da pandemia, que vão além da saúde dos habitantes, continuam atingindo seu cotidiano, com mudanças no trabalho, nos hábitos e na economia. Tais mudanças ainda podem perdurar e afetar o futuro do campo da arquitetura e construção, com a perspectiva de uma crise no setor.
Há dois meses o ArchDaily perguntou aos leitores como o coronavírus está afetando o cotidiano dos arquitetos e obteve mais de 600 respostas sobre as alterações na rotina de trabalho, na comunicação, no canteiro de obras, na gestão dos projetos, entre outros. Desta vez, convidamos nossos leitores a contribuírem com sugestões e opiniões sobre o que os profissionais da arquitetura podem fazer para superar ou evitar uma crise no campo da arquitetura e construção em consequência da pandemia de COVID-19.
A pesquisa foi lançada em nossas plataformas em português, espanhol e inglês. A maioria dos leitores e leitoras que colaboraram com suas sugestões e opiniões possui entre 18 e 24 anos (30%) e em seguida, representando quase o mesmo percentual (29%), ficaram aqueles com idade entre 25 e 34 anos. Na sequência, 16% possuíam entre 35 e 44 anos, 13% entre 45 e 54 anos, 7% entre 55 e 65 anos e, por fim, 4% acima de 65 anos. Apresentamos a seguir uma síntese das sugestões enviadas:
Reforçar o diálogo
A multidisciplinaridade e o reforço do diálogo com clientes, com colegas de profissão e com outros campos profissionais, foram apontados por alguns leitores como possibilidades para evitar ou superar uma crise no campo da arquitetura e construção. Um esforço sinérgico e interdependente, através da fusão com outras disciplinas, poderia criar soluções com integração de forças e recursos que permitam a realização de espaços com qualidade.
Aprimorar conhecimentos
Usar o tempo livre para aprimorar habilidades com ferramentas já conhecidas ou aprender novas é algo que pode ser feito durante o período de isolamento social. Este período pode ser uma oportunidade para aprender a modelagem BIM e métodos de representação para captar clientes, por exemplo.
Algumas respostas sugeriram ainda um maior envolvimento na gestão de negócios. O período de isolamento poderia ser utilizado também para aprofundar o conhecimento na área, que não é normalmente englobada no ensino de arquitetura, e buscar novas oportunidades dentro da área da arquitetura e da construção civil.
Projetos sociais
Mudar a visão do arquiteto como “artigo de luxo” e buscar soluções para os problemas reais das pessoas é uma reflexão que já vem sendo provocada mesmo fora do contexto de uma pandemia ou crise imobiliária. Alguns leitores sugerem que para isso é necessário exercitar o papel social do arquiteto, buscando atuar com participação da população na periferia das cidades e solucionar problemas reais das pessoas nas moradias e no espaço urbano.
O arquiteto tem que estar disposto nesse momento a mostrar para o mundo o que somos capazes de fazer, porque, no Brasil pelo menos, o arquiteto é visto como um luxo ou como um profissional desprezado, já que ‘ter arquiteto é caro’. Acho que chegou o momento de colocarmos os pés da arquitetura mais no chão, principalmente no ambiente cotidiano comercial-residencial. Temos que mostrar a que viemos, como podemos organizar os espaços e dar as pessoas soluções das necessidades reais dela, ao invés das necessidades de consumo ou de status social. – Bruna, São Paulo, Brasil.
Repensar o modo de projetar e construir
Há muito a se repensar em períodos de pandemia e crise. Não por acaso muitas das respostas sugeriram a revisão na prática da arquitetura e da construção: buscar projetos mais sustentáveis; fazer uso de materiais reciclados e pré-fabricados, com intuito de diminuir resíduos gerados pela obra; e voltar-se para o local - por exemplo no uso de materiais, técnicas, mão-de-obra, etc.
Em períodos de crise, quando a demanda de trabalho pode ser reduzida significativamente, uma opção sugerida pelos leitores é focar na qualidade dos projetos, e não na quantidade, buscando soluções alternativas e inovadoras na forma de projetar e construir.
Flexibilidade
A flexibilidade é uma qualidade importante frente à uma crise: se algo não está dando certo de determinada maneira, é importante exercitar a capacidade de se adaptar e procurar outras soluções, outros modos de projetar e outros modos de enxergar a prática profissional. Neste ponto, a flexibilidade pode ser praticada tanto na atuação dos arquitetos, como nos espaços projetados.
Em um momento no qual estamos repensando os próprios espaços que habitamos, trabalhamos e convivemos, nossos leitores sugerem, por exemplo, a elaboração de projetos com espaços flexíveis, que podem se transformar para abrigar múltiplas funções, além de possibilitar a aproximação ou distanciamento de usuários, no caso de futuras pandemias.
Buscar oportunidades, não clientes
Projetos de arquitetura dependem de capital. Com a instabilidade causada por uma pandemia e a provável recessão no mercado imobiliário, prevê-se que a arquitetura não será um investimento de caráter prioritário para os clientes. Com isso, uma das soluções pode ser buscar projetos que não dependam diretamente desses atores, como sugere um dos leitores:
Subordinar-se às decisões de clientes deixa boa parte do controle fora das mãos dos arquitetos. Podemos procurar evitar essa situação com três ações: transferir o capital armazenado para operações pesadas suplementares durante os períodos de crise, onde o trabalho pro bono, conceitual e a infra-estrutura empresarial possam continuar; trabalhar com a OSHA (Occupational Safety and Health Administration) e grupos comerciais no planejamento para que, quando a próxima pandemia ocorrer, a construção já tenha um plano de ação para evitar que os governos vejam a necessidade de encerrá-la; e, a nível regional, fazer com que as nossas organizações profissionais identifiquem oportunidades de baixo custo ou pro bono que possam ser enfrentadas durante a crise econômica, quando o campo subitamente se encontrar à espera que os clientes retomem ou iniciem novos projetos. – Christopher, Filadélfia, EUA
Oportunidade de mudanças
Diante da possibilidade de uma crise no campo da arquitetura e construção, as sugestões dos nossos leitores e leitoras para evitá-la ou contorná-la parecem caminhar para duas linhas interdependentes: a primeira delas está inserida no contexto da prática profissional, e aponta para um maior foco na capacitação, no diálogo, na gestão de negócios e na elaboração de planos de contingência; a segunda, voltada para a demanda, diz respeito à busca por projetos mais inclusivos, integrados, democráticos e sustentáveis, com atenção para as reais necessidades dos usuários, buscando uma mudança da visão do papel do arquiteto. De modo geral, as opiniões parecem concordar em um sentido: uma mudança será necessária – e num momento de revisão de hábitos e práticas, as estratégias para contornar uma provável crise podem ser também uma oportunidade para mudanças mais profundas e permanentes na direção de um futuro mais saudável.
Convidamos você a conferir a cobertura do ArchDaily relacionada ao COVID-19, ler nossas dicas e artigos sobre produtividade ao trabalhar em casa e aprender sobre recomendações técnicas de projetos para a saúde. Lembre-se também de checar os conselhos e informações mais recentes sobre o COVID-19 no site da Organização Pan-Americana da Saúde OPAS/OMS Brasil.